VER E SER VISTO
Já desejou
ter super poderes? Pois é relativamente fácil hoje em dia, basta montar em uma
bicicleta em São Paulo.
“Ah,” – você
diria – “mas é preciso muita perna, fôlego e coragem para sair pela cidade
pedalando.”
“Ah,” – eu diria
– “não é deste tipo de poder possível que estou falando.”
Penso na
invisibilidade mágica que o ciclista adquire no trânsito entre carros e
pedestres. Especialistas recomendam que se estabeleça contato visual com o
pedestre ou motorista distraído para se concretizar como indivíduo. Porém,
muitas vezes, este recurso se mostra inócuo e pode ser letal confiar nele.
Não adianta
estar na mão certa, à direita, com sinalização na bike – fato é que o ciclista vai quase sempre surpreender e ser
surpreendido.
O pedestre
em São Paulo gosta de andar na rua, aguardar para atravessar na rua, bem por onde
tem de passar o inconveniente ciclista, que pede licença e ouve grito, palavrão,
reclamação e ainda tem que aguentar cara feia.
Com motoristas
e motociclistas não é muito diferente. É claro que há simpatizantes e
simpáticos por trás dos volantes, mas todo mundo odeia ciclista, conforme me
explicou um motociclista no semáforo vermelho.
Essa pesada afirmação
primeiro me fez sentir muito insegura. Depois, infelizmente, deu sentido a muitas
situações pelas quais já passei e tantos outros ciclistas também, alguns pela
última vez.
Até o charmoso dono da Ferrari que desceu do
carro no cruzamento da Mourato Coelho com a Teodoro para reclamar comigo que eu
o havia ultrapassado três vezes desde a Avenida Brasil. Este moço com certeza
me viu, mas apesar de estar brincando, me assustou com a veemência de sua
constatação. É como se estivesse embutido em suas palavras um “Não pode!” ou “Quem
você pensa que é?!”.
E mesmo a
senhorinha airbag que depois do
contato visual simplesmente pulou na minha frente para atravessar a rua. Eu teria
ido para o chão em plena Avenida Rodrigues Alves se ela própria não tivesse me
agarrado gritando “Minha filha, minha filha, que susto!!!”. Que susto digo eu!
E a clássica
jogada de porta para sair do veículo?! Pergunto-me o que uma tomografia do
cérebro destas pessoas neste momento revelaria... Talvez que não há comunicação
entre seu córtex visual e o pré-frontal, responsável pela emoção e raciocínio.
A bicicleta
toma quase o espaço de uma moto, menos da metade de um carro, um quinto de um
ônibus ou caminhão, mas deixa os motoristas mais irritados (será que é porque
faz com que eles se sintam tolos, parados no trânsito?) e incomoda pedestres
que, embora donos das calçadas, insistem em caminhar pela rua. É como se
estivéssemos todos em uma disputa imaginária.
Que fique
bem claro: esta disputa só se torna real à medida que cada pessoa – motorista,
motociclista, ciclista ou pedestre – a torna real. Mas, e o incrível poder da invisibilidade
da bicicleta? De onde será que ele vem?
Por Chris
Ritchie
Texto muito bom! Adorei! beijoca Luli
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